25 de outubro de 2020

Ciência e senso comum

 Desde que a ciência se estabeleceu como o principal meio de conhecimento dos fenômenos naturais e sociais, sua relação com o senso comum tornou-se objeto de debates. De um lado, estão aqueles que a consideram um conhecimento hierarquicamente superior ao senso comum; de outro, os que consideram complementares os dois tipos de conhecimento.

O sociólogo Pedro Demo defende que a pesquisa é o modo pelo qual se conhece a realidade. A investigação é uma característica fundamental da ciência. Ao comparar o senso comum com a ciência, ele afirma que o primeiro aceita a realidade sem questionamentos nem pesquisas. Ao contrário, a ciência é construída com base em pesquisas metodologicamente fundamentadas.

Os defensores da oposição entre ciência e senso comum destacam a ciência como conhecimento imparcial e racional, enquanto o senso comum é visto como um olhar parcial e irracional sobre a realidade. Essa concepção tem origem no Iluminismo, movimento intelectual e político que, ao longo do século XVIII, defendeu a ciência como o caminho para a superação do Antigo Regime.

A defesa da ciência como único pensamento válido e aceito e a crítica aos outros meios de explicação do mundo, principalmente o religioso, serviram de fundamento para que, no século XIX, se desenvolvesse uma corrente de pensamento conhecida como Positivismo. Nela, a ciência é o único conhecimento útil a ser perseguido pela humanidade, a única maneira de investigar e conhecer a realidade e a única forma legítima de resolver os problemas que a impediriam de atingir sua plenitude.

Em uma segunda vertente, estão aqueles que consideram a ciência e o senso comum conhecimentos complementares. O sociólogo Boaventura de Sousa Santos afirma que a oposição entre ciência e senso comum se justificou nos séculos XVIII e XIX, principalmente nas Ciências Naturais, para promover a ciência como o principal meio de conhecimento do mundo. Na atualidade, tal oposição não se justifica e deve ser substituída por uma aproximação que transforme tanto o senso comum quanto a ciência. Assim, o senso comum se tornaria menos supersticioso e restrito à tradição, enquanto a ciência ficaria mais acessível e inteligível a todos, mediante o surgimento de novos veículos de divulgação científica e a universalização da educação.

Essa percepção de ciência e senso comum como formas complementares de conhecimento também pode ser encontrada na obra de Paulo Freire. Segundo ele, não há produção de conhecimento sem que haja conexão entre o sujeito que o produz e sua realidade social. Isso significa que o senso comum determina o alcance e o tipo de conhecimento produzido. Contrapondo-se ao Positivismo, Freire defende que o conhecimento da realidade acontece com base no modo como os indivíduos explicam o mundo em seu cotidiano e na valorização do saber popular - uma das modalidades do senso comum.

Segundo essa visão, todo conhecimento científico teria por objetivo converter-se em senso comum. Assim, em um tempo no qual a ciência se tornasse popular, o senso comum também passaria a adquirir novo caráter, mais crítico e menos receptivo a verdades prontas que não apresentassem fundamentos racionais e objetivos para serem validados. Nesse sentido, ciência e senso comum seriam percebidos como complementares.

Fonte: SILVA, Afrânio et al. Sociologia em movimento. São Paulo: Moderna, 2016.

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"A atitude do educador diante do mundo deve ser sempre investigativa, questionadora e reflexiva, pois os conhecimentos com os quais ele lida em seu exercício profissional estão em permanente mutação."
Lana de Souza Cavalcanti - Geógrafa