19 de janeiro de 2021

A existência da ética

 Muitas vezes tomamos conhecimento de movimentos contra a desigualdade social. Ficamos sabendo que, em outros países e no Brasil, milhões de pessoas estão desempregadas e foram prejudicadas pelas crises econômicas e pela concentração da riqueza nas mãos de poucos. Sentimo-nos enganados e, por isso, ficamos indignados.

Outras vezes, movidos pela solidariedade, engajamo-nos em campanhas contra a desigualdade social, a pobreza e a corrupção. Esses sentimentos e as ações desencadeadas por eles exprimem a maneira como avaliamos nossa situação e a de nossos semelhantes. Mas como distinguimos o certo e o errado, o justo e o injusto? De onde se originam nossas ideias de bem e de mal, de vício e virtude?

Senso moral e consciência moral

O senso moral é a maneira como avaliamos condutas, situações e comportamentos segundo ideias como as de justiça e injustiça, certo e errado, mérito, grandeza de alma, etc. Ele é exprimido como um sentimento - piedade, indignação, vergonha, remorso, culpa, comoção, etc. - diante dessas situações, condutas e comportamentos.

A consciência moral é a capacidade de, com base em uma avaliação fundamentada nos valores de justiça, correção, mérito, grandeza, etc., decidirmos livremente como agir e justificarmos as razões de nossas ações, condutas e comportamentos diante dos outros e de nós mesmos, assumindo  suas consequências. A consciência moral se manifesta quando temos que tomar decisões diante de um impasse moral.

Os constituintes do campo ético

Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é, aquele que conhece a diferença entre o bem e o mal, certo e errado, permitido e proibido, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também se reconhece como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em conformidade com os valores morais. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética.

A consciência moral manifesta-se na capacidade para deliberar diante de alternativas possíveis. Tem a capacidade para avaliar e pesar as motivações pessoais, as exigências feitas pela situação, as consequências para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins, a obrigação de respeitar o estabelecido ou de transgredi-lo (se o estabelecido for imoral ou injusto).

A vontade é esse poder deliberativo e decisório do agente moral. Para que exerça esse poder sobre o sujeito moral, a vontade deve ser livre, isto é, não pode estar submetida à vontade de outro nem pode estar submetida aos instintos e às ¹paixões, mas, ao contrário, deve ter o poder sobre eles.

1. Paixão: no dia a dia falamos paixão para dizer 'amor'. Eticamente, porém, o amor é uma entre muitas paixões, pois paixão significa todo desejo, emoção ou sentimento causado em nós ou por uma força irracional interna ou pela força incontrolável de alguma coisa externa que nos domina. Alegria, tristeza, amor, ódio, medo, esperança, cólera, inveja, avareza, orgulho são paixões.

Fonte: CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia: ensino médio. São Paulo: Ática, 2013.

15 de janeiro de 2021

Atitudes mentais opostas à razão

 As atitudes mentais opostas à razão são:

  1. o conhecimento ilusório, isto é, o conhecimento da mera aparência das coisas que não alcança a realidade ou a verdade delas. Ele se opõe à razão porque se contenta com a coisa como dada imediatamente, sem compreender suas causas, e também porque varia entre pessoas e sociedades, contradizendo-se;
  2. as emoções, sentimentos e paixões. Opõem-se à razão porque são cegos, desordenados e contraditórios;
  3. a crença religiosa, em que a verdade nos é dada pela fé numa revelação divina. Ela opõe-se à razão porque não depende do trabalho de conhecimento realizado pela nossa inteligência ou pelo nosso intelecto, dispensando a determinação de suas causas.
  4. o êxtase místico, no qual o espírito acredita entrar em relação direta com o ser divino. Ele opõe-se à razão porque acredita que isso ocorre sem nenhuma intervenção do intelecto ou da inteligência, nem da vontade.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia: ensino médio. São Paulo: Ática, 2013.

Razão

Na cultura da sociedade ocidental, a palavra razão origina-se de duas fontes: a palavra latina ratio e a palavra grega logos. Ambas são substantivos derivados de dois verbos que têm sentido muito parecido.
Que fazemos quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado. E que meios usamos para falar sobre essas ações? Usamos palavras. Por isso, lógos, ratio ou razão significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção.

Desde seus primórdios, a filosofia considerou que a razão opera segundo princípios que ela própria estabelece e que estão em concordância com a realidade, mesmo quando não os conhecemos explicitamente. Nós respeitamos  esses princípios porque somos seres racionais e porque eles garantem que a realidade possa ser conhecida pela nossa razão.

Que princípios são esses?

O princípio da identidade afirma que uma coisa, seja ela qual for (um ser da natureza, uma figura geométrica, um ser humano, uma obra de arte, uma ação) só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade. Ele é condição para podermos definir uma coisa e pensá-la com base em sua definição: a partir do momento em que temos a definição de um triângulo (figura de três lados e de três ângulos internos cuja soma é igual à soma de dois ângulos retos), sabemos que outra figura é um triângulo se ela for idêntica à definição. Em outras palavras, "o que é, é", ou  A=A. Exemplo: numa investigação criminal, por um lado, temos um suspeito e, por outro, temos uma amostra de DNA que sabemos ser do criminoso, que ainda não conhecemos. Sabemos que o nosso suspeito é o criminoso se uma amostra de DNA desse suspeito for idêntica àquela que sabemos ser do criminoso.

O princípio da  contradição (ou princípio da não contradição) enuncia que uma coisa não pode ser e não ser essa mesma coisa ao mesmo tempo e na mesma relação. Ou seja, se A é A, é impossível que A seja não A, ao mesmo tempo e na mesma relação. Sem esse princípio, o princípio da identidade não funciona. Tomemos como exemplo uma relação entre mãe e filha. Eu até posso ser mãe e filha ao mesmo tempo, mas não na mesma relação: sou filha de Maria e mãe de Renata, por exemplo. Mas não posso ser, ao mesmo tempo, filha e mãe de Maria, nem mãe e filha de Renata. Dentro dessa relação, podemos dizer que a filha é a não mãe (não M), de maneira que a mãe (M) não pode ser ao mesmo tempo, M e não M.

O princípio do terceiro excluído, cujo enunciado é: "Ou A é x ou não é x, e não há terceira possibilidade". Por exemplo: "Ou este homem é Sócrates ou não é Sócrates"; "Ou faremos a guerra ou faremos a paz". Esse princípio define a decisão de um dilema - "ou isto, ou aquilo" -, no qual as duas alternativas são possíveis, e a solução exige que apenas uma delas seja verdadeira. Mesmo quando temos um teste de múltipla escolha, escolhemos na verdade apenas entre duas opções - "ou está certo, ou está errado" -, e não há terceira possibilidade.

Já o princípio de razão suficiente afirma que tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa e motivo) para existir ou para acontecer, e que nossa razão pode conhecer tal causa ou tal motivo. Ou seja, afirma a existência de relações ou conexões internas entre as coisas, entre fatos ou entre ações e acontecimentos. Se uma maçã, ao se desprender da macieira vai ao chão, isso significa que há uma força que a impulsiona de sua posição para baixo. Essa força, sabemos, é a gravidade.

Fonte: CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia: ensino médio. São Paulo: Ática, 2013.


O que é ser racional?

Podemos dizer que a filosofia se constitui quando os seres humanos começam a exigir provas e justificações racionais que validem ou invalidem as crenças cotidianas.

Por que racionais? Por três motivos:

* porque racional significa argumentado, debatido e compreendido;

* porque racional significa que, ao argumentar e debater, queremos conhecer as condições e os pressupostos de nossos pensamentos e os dos outros;

* porque racional significa respeitar certas regras de coerência do pensamento para que um argumento ou um debate tenham sentido. Desse modo, é possível chegar a conclusões que podem ser compreendidas, discutidas, aceitas e respeitadas por outros.

Fonte: CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia: ensino médio. São Paulo: Ática, 2013.

"A atitude do educador diante do mundo deve ser sempre investigativa, questionadora e reflexiva, pois os conhecimentos com os quais ele lida em seu exercício profissional estão em permanente mutação."
Lana de Souza Cavalcanti - Geógrafa