10 de dezembro de 2020

A questão dos alimentos e da fome

Nas últimas décadas, houve uma mudança no padrão de consumo alimentar do brasileiro, que passou a consumir mais produtos industrializados. Isso permitiu às indústrias expandir sua produção de alimentos processados, como queijos e sucos.

França explica a mudança no padrão alimentar do brasileiro 

Os hábitos do brasileiro têm sido redefinidos a partir do surgimento da indústria alimentar e marcados pelo consumo excessivo de produtos processados, em detrimento de produtos regionais com tradição cultural, principalmente nos grandes centros urbanos, onde o fast food predomina, tendo como contrapartida, o movimento slow food, que conjuga prazer e regionalidade no hábito alimentar.

Uma das preocupações quanto à ingestão de muitos desses novos produtos é o baixo valor nutricional. eles contêm alto teor de gorduras saturadas e açúcar, causando obesidade, além de outros problemas para a saúde.

O surgimento e/ou agravamento de patologias como desnutrição, dislipidemias, obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis estão intimamente ligadas a tais mudanças na alimentação do indivíduo. Cabe ao profissional nutricionista desenvolver estratégias de educação nutricional, visando desenvolver hábitos alimentares saudáveis e promover melhora na saúde e qualidade de vida da população.

O problema da fome


Fome é a situação de carência, por um período prolongado, de alimentos capazes de fornecer a energia e dos elementos nutritivos necessários para a vida e a saúde do organismo. Segundo a FAO (sigla em inglês da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o mínimo diário para a manutenção de uma pessoa saudável normalmente varia de 2200 a 3000 calorias.

A fome é uma das maiores mazelas da humanidade. É inaceitável que em pleno século XXI esse flagelo atinja milhões de pessoas. De acordo com relatório da FAO, O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2018 (SOFI), em nível mundial quase 821 milhões de pessoas - cerca de uma em cada nove - foram vítimas da fome em 2017, um aumento de 17 milhões em relação ao ano anterior. O mesmo relatório aponta que no Brasil  2,5% da população passou fome em 2017, o que corresponde a 5,2 milhões de pessoas.

O desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido nas últimas décadas não foi suficiente para  erradicar da humanidade o sofrimento da fome. Apesar do aumento  da produção agrícola ocorrido em várias partes do planeta, a fome persiste. Atualmente, o mundo produz uma quantidade muito maior de alimentos do que seria necessário para a alimentação saudável de toda a população planetária. No entanto, há uma grande concentração dessa produção, e as populações mais pobres continuam sem acesso a alimentos.

Conforme  Silva (2016) a fome tem motivos:
Existem alguns motivos conhecidos que levam ao estado de fome crônica, tais como: fatores naturais, guerras civis, inabilidade governamental, técnicas rudimentares de produção. Já nos anos 1940, o geógrafo brasileiro Josué de Castro apontava o dilema da fome em seu clássico livro Geografia da fome. Segundo ele: "A fome é uma realidade  demasiado gritante e extensa para ser tapada com uma peneira aos olhos do mundo" ( CASTRO, 1946, p.15).

Imagem: Reprodução

Fonte:
SILVA, Edilson Adão Cândido da; JÚNIOR, Laercio Furquim. Geografia em rede. São Paulo: FTD, 2016.
VIEIRA, Bianca Carvalho et al. Ser protagonista: geografia. São Paulo: Edições SM, 2016.
FOME aumenta no mundo e na América Latina e no Caribe pelo terceiro ano consecutivo. Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Disponível em: http://www.fao.org/americas/noticias/ver/pt/c/1152189/
FOME no Brasil. Observatório do Terceiro Setor. Disponível em: https://observatorio3setor.org.br/media-center/radio-usp/fome-no-brasil/
FRANÇA, F.C.O et al. Mudança dos hábitos alimentares provocados pela industrialização e o impacto sobre a saúde do brasileiro. Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia. Disponível em: http://www2.uefs.br:8081/cer/wp-content/uploads/FRANCA_Fabiana.pdf

Segurança alimentar

"A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis". (II Conferência Nacional de SAN, 2004; LOSAN, 2006).

Segurança alimentar refere-se ao direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade que sejam produzidos de forma sustentável, econômica e socialmente. A fome, a má alimentação, a subnutrição e os preços abusivos são alguns dos fatores que indicam a falta de segurança alimentar.

O aumento do consumo de produtos industrializados, assim como de congelados, com baixo valor nutritivo e grande quantidade de açúcar, gorduras e alto teor calórico, tem sido um dos principais responsáveis pelo crescimento do número de pessoas obesas no mundo, sobretudo entre crianças e adolescentes. Esses novos padrões de consumo contribuem para a "insegurança alimentar", na medida em que se constata um significativo aumento de várias doenças associadas à ingestão desequilibrada de nutrientes, como doenças cardíacas, hipertensão e diabetes.

A Organização Mundial da Saúde tem proposto restrições às propagandas desses tipos de alimento dirigida às crianças, por considerar que estas são mais suscetíveis aos apelos comerciais.
Imagem: Reprodução

Fonte: 
VIEIRA, Bianca Carvalho et al. Ser protagonista: geografia. São Paulo: Edições SM, 2016.
SOBERANIA alimentar e segurança alimentar e nutricional. Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN). Disponível em: http://www.ceresan.net.br/quem-somos/o-que-entendemos-por-ssan/

Soberania alimentar

Suprir as necessidades alimentares da população com base em suas próprias potencialidades técnicas e naturais confere aos países a possibilidade de preservar com mais facilidade os aspectos culturais relacionados à alimentação. Se um país consegue, a partir da sua capacidade produtiva e com recursos próprios, abastecer a população sem depender totalmente dos mercados internacionais, está a caminho de atingir a soberania alimentar.

Soberania alimentar é o direito de os povos produzirem e comercializarem localmente alimentos vinculados à sua cultura e ao seu modo de vida, com uma produção sem o uso de agrotóxico e tendo por objetivo a manutenção do equilíbrio ambiental.

A padronização alimentar  modifica profundamente a forma da preparação da comida, empobrecendo o perfil alimentar da população e comprometendo os diferentes modos de viver e a preservação das culturas locais.

É por isso que a decisão de que alimentos devem ser colocados no prato, assim como o controle da origem dos produtos e das condições em que são feitos, não podem ser delegados apenas a um seleto grupo de empresários. Cada país necessita manter o controle dos próprios hábitos alimentares, o que compete ao âmbito da soberania alimentar.

A soberania alimentar é alcançada quando o sistema de produção também é sustentável, com uso cada vez menor de agrotóxicos, substituição de modelos de produção de monocultura, e quando o país decide a sua própria política agrícola, ou seja, o que deve cultivar, como e quando comercializar, como atender os mercados interno e externo, etc.

No entanto, a soberania alimentar de um país é ameaçada pela presença de empresas estrangeiras em seus territórios. Grandes importadores e suas multinacionais do ramo alimentício expandiram-se em países agroexportadores e os transformaram em extensões de suas áreas produtivas.

Um exemplo disso é o impacto da produção de óleo de palma. A aquisição de terras de comunidades locais por grandes empresas para intenso aproveitamento do cultivo da palma provocou o esgotamento de solos e recursos hídricos e a destruição de florestas, colocando em risco a produção de alimentos de países como a Indonésia, Malásia e Honduras, grandes produtores de óleo de palma.

Em contraposição ao mercado global, que absorve grande parte da produção dos países, os sistemas produtivos locais - como a agricultura familiar no Brasil - são uma das principais garantias de soberania alimentar, pois abastecem os mercados internos.

"[…]. A soberania alimentar é a via para se erradicar a fome e a desnutrição e garantir a segurança alimentar duradoura e sustentável para todos os povos". (Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar, Havana, 2001).

Imagem: Reprodução

Fonte:
TERRA, Lygia; ARAUJO, Regina; GUIMARÃES, Raul Borges. Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil. São Paulo: Moderna, 2016.
VIEIRA, Bianca Carvalho et al. Ser protagonista: geografia. São Paulo: Edições SM, 2016.
SOBERANIA alimentar e segurança alimentar e nutricional. Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN). Disponível em: http://www.ceresan.net.br/quem-somos/o-que-entendemos-por-ssan/

Fronteira agrícola

 Fronteira agrícola é a área de um país onde ocorre o avanço das atividades agropecuárias. As zonas de fronteira agrícola estenderam-se por florestas, matas e campos naturais, drenaram pântanos e alagadiços, dando lugar a plantações e pastagens, criaram milhares de represas e açudes para a irrigação de lavouras. No caso do Brasil, o avanço da fronteira agrícola ocorreu, principalmente sobre áreas dos biomas Cerrado e Amazônia,  respectivamente nas regiões Centro-OesteNorte de país.

Na história do Brasil, a fronteira agrícola se expandiu em função do crescimento da atividade econômica. Nos tempos da colonização a Mata Atlântica foi sendo destruída na costa nordestina para dar lugar ao cultivo de cana-de-açúcar, utilizada na produção de açúcar destinado à exportação. A cafeicultura, desenvolvida na região Sudeste, também contribuiu para o processo de destruição da Mata Atlântica. No século XIX e início do século XX, as plantações de café, que ocupavam inicialmente terras localizadas no Rio de Janeiro, foram espalhando-se por Minas Gerais e estendendo-se pelo interior de São Paulo. À medida que os solos foram se esgotando, a produção agrícola avançou para áreas de florestas em novas propriedades rurais.

A partir da década de 1970, juntamente com a implantação de ¹tecnologia no campo, o movimento da fronteira agrícola passou para os estados do Centro-Oeste, com o cultivo da soja.

Nas últimas décadas, a expansão da fronteira agrícola tem significado o desmatamento de grandes áreas da floresta Amazônica, comprometendo a manutenção da biodiversidade, destituindo povos indígenas, ribeirinhos e seringueiros de suas terras e comprometendo o modo de vida dessas comunidades. A expansão da fronteira agrícola permitiu que o Brasil se tornasse um dos maiores exportadores mundiais de soja e carne, mas tem causado graves prejuízos à natureza e à sociedade.

1. Tecnologia no campo: a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), vinculada ao Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tem como objetivo desenvolver inovações tecnológicas para a agropecuária brasileira.

 Região aproximada sob influência da fronteira agrícola Amazônica
Imagem: Inkscape., CC BY-SA 3.0

Fonte:
BOLIGIAN, Levon; ALVES, Andressa. Geografia espaço e identidade. São Paulo: Editora do Brasil, 2016.
VIEIRA, Bianca Carvalho et al. Ser protagonista: geografia. São Paulo: Edições SM, 2016.
"A atitude do educador diante do mundo deve ser sempre investigativa, questionadora e reflexiva, pois os conhecimentos com os quais ele lida em seu exercício profissional estão em permanente mutação."
Lana de Souza Cavalcanti - Geógrafa