4 de dezembro de 2020

Principais problemas do sistema fundiário brasileiro

  1. Presença de capital externo: A presença de estrangeiros entre os grandes proprietários de terra faz com que boas partes dos lucros conseguidos com o trabalho no campo não seja reinvestida no país. Além disso, submete-se a estrutura legal do agronegócio aos interesses do capital externo, que normalmente são conflitantes com os interesses nacionais.
  2. Relações desiguais de trabalho: A grave concentração de terras leva à polarização nas relações de trabalho. De um lado os donos de enormes propriedades; de outro, trabalhadores assalariados em péssimas condições de trabalho e de vida, por vezes semelhantes a escravidão. Entre esses dois pontos extremos, existem pequenos proprietários que alugam ou arrendam suas terras como forma de sobrevivência.
  3. Transgênicos: A discussão sobre os transgênicos é intensa e ainda está longe de uma solução. A criação de sementes geneticamente modificadas foi autorizada pelo governo, mas órgãos ambientais e sociais pedem sua proibição em virtude do desconhecimento científico sobre as consequências de seu consumo a longo prazo.
  4. Solo impróprio: Apesar de seu gigantesco território de área agricultável, o solo brasileiro possui extensas porções de terrenos impróprios para o plantio. Entretanto, tal problema é de fácil resolução com as atuais técnicas agrícolas, desde que haja investimento e estruturas adequadas para isso.
  5. Concentração fundiária: Principal problema do setor agrário do país, a concentração fundiária resulta de uma estrutura arcaica que remonta ao período colonial, caracterizado pelo latifúndio, pelo difícil acesso à terra e pelas precárias condições de trabalho na maioria dos casos.
  6. Pesticidas: O uso intensivo de pesticidas afeta a produtividade do solo e também pode contaminar alimentos e causar doenças aos humanos. Além disso, altera sensivelmente o equilíbrio dos biomas onde é utilizado.
  7. Fertilizantes: Os fertilizantes utilizados pela indústria alteram sensivelmente o teor do solo e provocam impactos ambientais de grandes proporções principalmente ao entrar em contato com lençóis freáticos e nascentes de rios.
Imagem: Reprodução
Fonte: SILVA, Edilson Adão Cândido da; JÚNIOR, Laercio Furquim. Geografia em rede. São Paulo: FTD, 2016.

Injustiça socioespacial

De acordo com Paviani (2007)

"Trabalho, desemprego e migrações estão interligados em teoria e na vida real, independentemente do meio geográfico em que acontecem. [...] Mobilidade espacial e desemprego ocasionam impactos sobre o espaço, no meio rural ou urbano". 

Segundo o autor, "a abordagem geográfica pode vislumbrar de que forma ambientes fortemente hostis ao homem tornam-se propícios às migrações em todos os quadrantes do planeta".

O processo migratório que envolve populações oriundas da região Nordeste para outras partes do Brasil tem como fatores determinantes a seca e a estagnação econômica. Devido à intensa exploração monocultora dos solos no passado, o Nordeste é hoje periodicamente castigado por períodos alternados de secas e enchentes. Em consequência, milhões dos seus naturais vivem fora da região.

Imagem: Severino Silva / Agência O Dia

Fonte: 
PAVIANI, Aldo. Migrações com desemprego: injustiça social na configuração urbana. Cadernos Metrópole, núm. 17, janeiro-junho, 2007, p. 13-33. Pontifícia Universidade de São Paulo. São Paulo. Disponível em https://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/8761
http://nasombradojuazeiro.com.br/2020/07/18/o-nordeste-a-grande-fonte-da-migracao-nacional/

Conversando com a...Literatura

 

Morte e vida severina é um dos clássicos da literatura brasileira. O poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999) narrou a questão da terra no Nordeste e a realidade social permeada por uma forte injustiça socioespacial. Leia um trecho de sua obra.

"Assiste ao enterro de um trabalhador de eito e ouve o que dizem do morto os amigos que o levaram ao cemitério

- Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor 
que tiraste em vida.
- É de bom tamanho, 
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
- Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
- É uma cova grande
para teu pouco defunto.
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
- É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
- É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
- Viverás, e para sempre,
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
- Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
- Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
- Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
- Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo espreitas:
serás semente, adubo, colheita.
[...]"
(MELO NETO, J.C. Morte e vida severina: auto de natal pernambucano. Serial e antes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 159-160)

Morte e Vida Severina em Desenho Animado - Completo

Questões de reflexão sobre o poema

1. Quais elementos do poema se relacionam com a realidade agrária brasileira ao longo do século XX e do século XXI?

2. Avalie criticamente os conflitos sociais produzidos pela realidade histórico-geográfica do campo brasileiro e que transparecem nessa obra.

3. João Cabral era apaixonado por literatura de cordel. Você sabe o que é literatura de cordel? Faça uma breve pesquisa, identificando as origens desse gênero textual, alguns autores de destaque e a região brasileira onde predomina.

4. Em “Morte e vida severina”, João Cabral de Melo Neto recupera uma tradição medieval para traçar o percurso de mais um nordestino tangido pela seca. Por meio dele temos o duro testemunho de um personagem anônimo que percorre o agreste até o Capibaribe, mostrando-nos uma geografia de escassez e desolação que, ao final, é atenuada com um nascimento que representa a esperança cristã na vida. O trecho acima dramatiza o funeral de um lavrador e as vozes declamando representam:
a) uma demonstração de consciência revolucionária diante da exploração do trabalhador rural.
b) uma convicção exagerada na vida pós-morte.
c) uma consciência resignada diante das condições de trabalho do trabalhador rural.
d) uma proposta de desafio às forças inclementes do capital.
e) uma proposta de parceria com os grandes latifúndios para a harmonia no campo.

Fonte: SILVA, Edilson Adão Cândido da; JÚNIOR, Laercio Furquim. Geografia em rede. São Paulo: FTD, 2016.
https://enem.estuda.com/questoes/?resolver=359867&inicio=4

RESPOSTAS

1. O latifúndio é citado direta e figurativamente no poema. Há referência à concentração de terras por meio de metáforas que expressam a desigualdade no tamanho das propriedades e a árdua busca por terras para nelas se estabelecer, além de alusões às condições de trabalho no campo.
2. Na história do Brasil há momentos de forte tensão no campo, especialmente a partir dos anos 1940. Espera-se que os alunos considerem que a forte concentração de terras produz conflitos entre os grandes e os pequenos proprietários e que na década de 1980 a questão atingiu maior magnitude. Foram criadas organizações nacionais favoráveis e contrárias à reforma agrária no país, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Democrática Ruralista (UDR), respectivamente.
3. Cordel é o nome dado à poesia popular originalmente feita em relatos orais e que posteriormente surgiu em formatos impressos. Apresenta linguagem informal, criativa, bem-humorada, crítica, regionalizada e, frequentemente, utiliza-se de rimas. No Brasil, está concentrada na região Nordeste. Alguns autores de destaque desse gênero de literatura: Patativa do Assaré, Mestre Azulão, Cego Aderaldo, João Martins de Athayde e Leandro Gomes de Barros.
4. c) uma consciência resignada diante das condições de trabalho do trabalhador rural.

3 de dezembro de 2020

Origem da estrutura fundiária brasileira

 A atual distribuição desigual de terras no Brasil é resultado do processo de ocupação do território e das leis de acesso às propriedades agrárias.

A primeira forma de acesso à terra no Brasil foram as capitanias hereditárias, sistema de administração territorial criado pelo rei de Portugal com o objetivo de colonizar o Brasil e evitar invasões estrangeiras. Tinham esse nome porque podiam ser transmitidas de pai para filho. A colônia foi dividida em quinze grandes lotes, que foram entregues a doze donatários. Veja o mapa abaixo.

Imagem: Reprodução
Essas capitanias hereditárias, que inseriram o Brasil no sistema colonial mercantilista, foram os primeiros latifúndios brasileiros.

Nas capitanias hereditárias, o donatário não era o proprietário das terras, apenas podia usufruir dos bens que dela podiam ser extraídos. Não podia vendê-las, mas tinha o direito, concedido pela Coroa, de doar grandes extensões, denominadas de ¹sesmarias.

Na teoria, a doação das sesmarias deveriam ser feitas em caráter vitalício e não poderia ser transmitida a herdeiros. Na prática, porém, não foi o que aconteceu. Os donatários concediam as sesmarias com direitos sucessórios, isto é, os descendentes poderiam herdar as terras que englobavam a sesmaria. Isso porque a Coroa precisava de colonos para povoar as novas terras.

Assim, até 1822, enquanto a propriedade da terra ainda era concedida pela Coroa por meio de doação de sesmarias, ficou garantido o predomínio das grandes propriedades, introduzido com o sistema de capitanias hereditárias.

A partir de 1822, Dom Pedro I determinou o fim do sistema de doação e permitiu o regime de posse, isto é, era dono quem a ocupasse. Esse regime perdurou até 1850, quando passou a vigorar a Lei de Terras, que tornava ilegal a posse e instituía a compra e venda de terras, concentrando novamente a estrutura fundiária no Brasil, uma vez que somente podia adquirir terras quem tivesse dinheiro.

A partir de 1850, com a Lei de Terras, foi regularizado o acesso à terra no Brasil e, mais tarde, sucederam várias tentativas de efetuar uma reforma agrária.

Ao ser assinada, a Lei de terras definiu novos critérios para a posse de terras no Brasil. A terra, antes considerada patrimônio pessoal do rei e obtida por doação, passou a ser adquirida mediante o poder de compra. Com isso foi reafirmada e estimulada a tradição latifundiária do país; a obrigação da compra  validou o poderio dos grandes proprietários e dificultou ainda mais o acesso dos pequenos agricultores.

Essa situação fundiária transformou-se em um grande problema social. Até 1930, o Brasil era essencialmente uma economia agroexportadora, mas, ao mesmo tempo, mantinha a maior parte da população excluída do acesso à terra.

1. Sesmaria: concessão de terras destinadas ao plantio que eram doadas pelo rei de Portugal com base no status social do pretendente.

Fonte:
ALMEIDA, Lúcia Marina; RIGOLIN, Tércio Barbosa. Fronteiras da globalização: o espaço geográfico globalizado. São Paulo: Ática, 2017. 
SILVA, Angela Corrêa da; OLIC, Nelson Bacic; LOZANO, Ruy. Geografia: contextos e redes. São Paulo: Moderna, 2016.
TERRA, Lygia; ARAUJO, Regina; GUIMARÃES, Raul Borges. Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil. São Paulo: Moderna, 2016.
"A atitude do educador diante do mundo deve ser sempre investigativa, questionadora e reflexiva, pois os conhecimentos com os quais ele lida em seu exercício profissional estão em permanente mutação."
Lana de Souza Cavalcanti - Geógrafa